sexta-feira, 19 de julho de 2013

Demônios e Maravilhas, José Mojica Marins, 1987.




O Cristo ao fundo. A imagem do mártir será transferida a Mojica.




Mojica encarcerado, será retomado décadas depois em Encarnação do Demônio.

A última ceia. Após ser injustamente preso e passar uma noite na cadeia, reunião com a família - de sangue e eletiva.





Uma cena que ilustra bem a ideia de comunidade e trabalho em equipe, tão característico do cinema e fundamental no trabalho do Mojica. 







Talvez a sequência mais brilhante do filme. A experiência de morte por alguns segundos, onde Mojica conhece o que há no além.





História: neste docudrama, José Mojica Marins narra sua luta como diretor de cinema de horror no Brasil. São recriados vários episódios de sua vida, como sua prisão arbitrária, seu problema com o alcoolismo, sua experiência de morte por alguns minutos, seus cursos de cinema, a desonestidade dos investidores e algumas festas de lançamento.

Produção: Produzido entre 1976 e 1987, este filme de 50 minutos nunca foi lançado nos cinemas daqui - saiu somente como extra do dvd do Finis Hominis, da Cinemagia. Nos EUA saiu em vídeo em 1996.Há uma segunda parte anunciada, mas ainda incompleta, intitulada Alucinação Macabra. 

Até hoje é o único documentário feito pelo diretor. Quase não há diálogos, mas sim uma trilha narrativa onde geralmente o próprio Mojica vai contando sua história - num texto eletrizante, diga-se de passagem. Não é propriamente um documentário, mas um docudrama, já que todos os episódios são encenados pelo diretor, sua mãe, sua esposa, seu braço direito Satã e seus discípulos. 

Comentário: mesmo se tratando de um filme que se pretende um registro de fatos acontecidos, Demônios e Maravilhas se recobre num manto do fantástico e sobrenatural.

A cena onde Mojica se encontra no além, onde neva e seus pés são progressivamente tragados pela terra é o exemplo mais forte disso. A cena é de uma força hipnótica maravilhosa.

Mas talvez seja a própria presença do Mojica o elemento mais extraordinário. Não sentido de ser diferente, separado dos ordinários mortais. Ele é a ponte do nosso mundo com o sobrenatural. É o que mexe com coisas que não devem ser sequer ditas. Um sacerdote do macabro.

Mas mesmo sendo esse homem super, ele chora a morte do pai, busca ajuda e conforto em sua mãe e amigos. Coloca em dúvida sua própria capacidade de criar e chega até a morrer (!) Mas ele volta. A ligação com Cristo não é acidental.

O que dá lógica à vida de Mojica é o cinema. E é em função dele que toda a estrutura do filme é criada, uma sucessão de dificuldades aparentemente intransponíveis. 





quarta-feira, 3 de julho de 2013

A Ópera do Cemitério, Juliana Rojas, 2013


HistóriaO jovem aprendiz de coveiro Deodato está com seu emprego em risco. Os outros coveiros duvidam de sua capacidade para o trabalho. Seu tio Jaca tenta sensibilizá-lo para a função, mas é inútil: o trabalho aflige a Deodato, que tem aspirações artísticas. Prefere tocar o órgão da igreja escondido e vagar pelo cemitério escrevendo poemas. Após desmaiar durante um dos enterros, ele é chamado à diretoria, onde é confrontado por Aloizio, o administrador do cemitério.

Quando o número de túmulos livres começa a se esgotar, a administração organiza um processo de recadastramento das sepulturas. Os túmulos abandonados deverão ser reaproveitados – os restos mortais anônimos deverão ser realocados, dando espaço a novas sepulturas. São os novos tempos. Deodato é convocado para cuidar do processo de inventário dos túmulos. É a última chance do aprendiz mostrar seu valor.

Para auxiliá-lo nessa tarefa, o Serviço Funerário envia a funcionária Jaqueline, uma entusiasmada burocrata, com um interesse particular por caixões. É inevitável que Deodato se apaixone. Juntos, os dois percorrem a cidade em busca das famílias dos mortos. A missão de Jaqueline é convencê-los a vender os túmulos e depositar os restos dos parentes em gavetas fúnebres que serão construídas.

As obras no cemitério têm início. Alguns túmulos são escavados. Deodato e Jaqueline acompanham todos os procedimentos de exumação – ele com pavor; ela com crescente empolgação. Após esse dia, estranhos acontecimentos no cemitério começam a perturbar Deodato, que passa a se questionar sobre as implicações em mexer com os mortos.

Produção: Este filme de 52 minutos faz parte de um projeto de telefilmes da rede Cultura, que está em sua quarta edição. A temática desta temporada é "Música na Cidade". São ao todo quatro filmes, rodados em vídeo de alta definição com uma verba de R$600 mil cada, dada pela secretaria de Cultura do Estado, através de edital. 


Juliana Rojas nasceu em 1981 e é formada em cinema pela ECA-USP. Dirigiu 5 curtas, um segmento de um longa (Desassossego Filme das Maravilhas) e um longa, Trabalhar Cansa, em parceria com Marco Dutra. 



Comentário: A Ópera do Cemitério joga com diversos gêneros cinematográficos. É um pouco comédia, se estrutura como um romance, tem diversos elementos de horror, mas é também um musical, as vezes um musical bem melancólico. É portanto um filme que se permite ser livre para transitar onde bem entender.

Começando pela questão do musical, acho a iniciativa louvável. Não temos no Brasil uma tradição de filmes musicais - o que funciona aqui é a música, a junção entre imagem e canção nunca se consolidou. Então temos aqui uma história passada toda num cemitério. E há belas canções, gostosas de se ouvir. Isso abrilhanta o filme, faz algumas cenas crescerem e potencializa algumas emoções da trama.

Deodato, o protagonista, é um aspirante de coveiro que tem medo de morto. Horas tantas ele ouve uma daquelas clássicas vozes do além chamar seu nome. Há um eficiente clima de horror.

A grande cena do filme é a madrugada em que, sob vigilância de Deodato, os mortos saem de seus túmulos para exigir respeito, a não violação das covas. 

Os mortos não são atores, são claramente bailarinos.

Mas num esquema musical, isso funciona bem. 

É algo que não se vê normalmente no Brasil, um musical com zumbis. Clima de assombração.

Após o tensíssimo Trabalhar Cansa, Juliana Rojas talvez seja a grande aposta do horror cabeça, intelectualizado. 



















domingo, 30 de junho de 2013

Amor só de Mãe, Dennison Ramalho, 2003


História: Filho é um pescador de meia idade, que vive com a mãe em uma pequena comunidade em um local isolado. Ele mantém um certo relacionamento com Formosa, uma mulher com jeitão de cigana, que mais tarde se mostrará uma bruxa adoradora de Satã. Ela ameaça ir embora do lugar, já que o sujeito dá mais atenção à mãe do que a ela. Em uma noite em que é flagrada por Filho fazendo sexo com outros homens, Formosa incorpora uma entidade maligna e pede para que Filho mate sua mãe e lhe trague seu coração. Ele vai para casa, e o mal passa a controlá-lo de formas cada vez mais brutais.

Produção: Segundo curta metragem de Dennison Ramalho, foi filmado em estúdio em São Paulo e na praia de Iguape. Os custos chegaram a 60 mil reais, o que o torna um dos curta metragens mais caros feitos no Brasil. O roteiro foi escrito pelo diretor, em colaboração com o pai de santo Pai Alex, do
Terreiro de Umbanda do Pavilhão 8 da Casa de Detenção de SP, convidado na época das filmagens do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento.

Os créditos nos dizem que o filme é uma "livre perversão" da música Coração Materno, de Vicente Celestino. Embora não haja menção à canção no curta, ela é um ponto de partida.


O papel do filho foi feito tendo Everaldo Pontes como seu intérprete. Mas o diretor teve problemas em escalar as atrizes. Desistências e recusas foram frequentes, já que o roteiro era carregado de sexo e violência. Por fim a mãe é interpretada por Vera Barreto Leite, do Teatro Oficina, e Formosa por Débora Muniz, atriz veterana, rainha dos filmes de sexo explícito da Boca do Lixo.

Comentário: Um dos maiores méritos de Amor só de Mãe é o de criar um terror de matriz brasileira. A religiosidade, os símbolos, o sexo. É um esforço em criar uma mitologia própria para o país, algo que o Mojica fez muito bem em seus filmes.

Trata-se de um filme muito ligado a energias básicas, terrenas. Instintos primários explodindo em violência em personagens rudes.

Os atores são ótimos, todos. Destaque para os seus corpos de meia idade. Filho torce o corpo fantasticamente ao puxar o barco do mar. Formosa exala sexualidade só de caminhar pela floresta, alisando suas pernas. O sexo entre eles é bruto, como é também a possessão de seus corpos pela entidade maligna - possessão que é conseguida através de postura de corpo, olhos negros e mudança de voz. Os cortes que Formosa faz em seus próprios bracos marcam simultaneamente o braço de Filho. Essa ligação entre os corpos é muito bem utilizada.

A sequência da morte da mãe é sem dúvida muito forte.

E a mistura feita entre ícones religiosos cristãos, som de pregação evangélica, entidades de religiões afro-brasileiras e símbolos satânicos é muito feliz e eficiente.

Causa medo, e, sem dúvida, choque.  







E pra que não viu, tá aqui disponível no youtube: